TRÂNSITO E ÁLCOOL JUNTOS NA TRAGÉDIA BRASILEIRA

domingo, 9 de maio de 2010 Karine Winter


Em pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), intitulada Global Status Report on Alcohol, em 2004, estimou-se em 2 bilhões a quantidade de consumidores de bebidas alcoólicas em todo o mundo. Nesse quadro, o Brasil ocupa a 80ª posição quando se compara com outros 185 países em termos de consumo anual de litros de álcool puro por habitante com idade superior a 15 anos. Adicionalmente, esta pesquisa aponta que o País ocupa a 25ª posição em termos do crescimento do consumo de bebidas alcoólicas. De 1970 a 1990, o consumo de álcool no Brasil cresceu 70%. Já o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, realizado por Senad/Cebrid, no Brasil, em 2005, em 108 das maiores cidades do país, havia apontado o álcool como a substância psicoativa mais consumida pela população brasileira. O estudo apontou que 75% dos brasileiros, com idades entre 12 e 65 anos, já haviam consumido bebidas alcoólicas ao menos uma vez na vida, cerca de 38 milhões de pessoas. Em outro estudo realizado por Senad/Uniad, o I Levantamento sobre Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado em 2007, abordando com uma amostra representativa dos municípios sem exclusão de qualquer parte do território nacional, inclusive áreas rurais, obteve que 52% dos brasileiros acima de 18 anos faz uso de bebida alcoólica pelo menos uma vez ao ano. Do subconjunto de homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28% de 1 a 4 vezes por semana. Quanto à intensidade do consumo de bebidas alcoólicas, a pesquisa apontou que 24% da população bebem freqüentemente e de forma pesada (pelo menos uma vez por semana, 5 ou mais doses), sendo que 40% dos homens e 18% das mulheres consumiram 5 ou mais doses de bebidas alcoólicas numa única ocasião, pelo menos uma vez no último ano. Em 2007, o Governo Federal publicou a Política Nacional sobre o Álcool, numa demonstração de preocupação com o cenário brasileiro. Em 2008, foi sancionada Lei Seca, modificando o limite aceito de alcoolemia do condutor de veículo automotor de 0,6 grama de álcool por litro de sangue para zero. A Lei prevê que o motorista flagrado excedendo este novo limite fica sujeito ao pagamento de multa, perda do direito de dirigir pelo prazo de um ano e apreensão do veículo. No segundo semestre de 2008, já com a vigência da Lei, o Ministério da Saúde registrou diminuição de 23% de mortes no trânsito e 23% nas internações. Após grande movimentação da mídia nas primeiras semanas, “tudo voltou como antes no quartel de Abrantes”. Existe uma correlação linear entre o aumento da alcoolemia e o risco de acidentes de trânsito. Com alcoolemia de 0,05 a 0,09 mg/dl o risco de acidentes de trânsito é 4 vezes maior; com alcoolemia acima de 0,15% o risco de acidentes de trânsito é 45 vezes maior. Há dados de pesquisas que associam a bebida a cerca de 50% dos acidentes graves no Brasil.  Depreende-se pelos dados que muitas pessoas bebem diariamente e dirigem veículos automotores. Assim, pergunta-se: quantos são flagrados em situação de alcoolemia, multados, com carros apreendidos por dia aqui no Brasil? Quantas carteiras foram suspensas? Quantos foram condenados? Os números divulgados pela imprensa denotam uma quantidade infinitamente pequena comparada com aquela esperada. Em recente despacho, um juiz da Vara Criminal de Aparecida de Goiânia, em Goiás, mandou soltar um motorista preso por embriaguez. Para o juiz, a Lei Seca é irreal, que mudou até hábitos culturais do país que sempre considerou futebol e cerveja como “paixão brasileira”. Na sentença, ele compara a ida a um bar sem tomar cerveja “o mesmo que uma refeição sem feijão ou dormir sem tomar banho”. Dessa forma, fica difícil mudar a realidade do gravíssimo quadro de acidentalidade viária neste país! Parece que nem a população quer efetivamente a segurança de trânsito, ao menos se for para ela abrir de algumas “paixões”, mesmo com o ônus da perda de vidas preciosas de sua família e também das dos outros. O juiz parece que pensa o mesmo.


*Engenheiro- Mestre e doutor em transportes pela USP - Coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Trânsito - Professor da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco.