PAZ NA VIDA = PAZ NO TRÂNSITO

domingo, 20 de junho de 2010 Karine Winter


Difícil não se envolver com a discussão sobre a catástrofe decorrente dos acidentes de trânsito no Brasil. Por outro lado, tanto já foi publicado sobre o tema que pode parecer exagerada pretensão pensar que ainda há algo novo a ser dito. Mesmo ciente disto, arrisco-me a escrever sobre o assunto.  O título, Paz na vida: paz no trânsito poderia ser apenas Paz no trânsito. Então por que acrescentei paz na vida? Porque não acredito que o problema da violência no trânsito seja algo que se restrinja aos limites das ruas, das rodovias e de nós motoristas, com nossos potentes e sofisticados carros. Aqui faço a primeira advertência: escrevi ''nós motoristas", pois, é muito comum nos referirmos aos motoristas como ''os outros motoristas". Com isto, consciente ou inconscientemente, nos auto-excluímos deste grupo e delegamos toda a responsabilidade sobre o que de ruim acontece aos outros motoristas, ao governo que visa arrecadar mais impostos, à indústria automobilística e, raramente, nos colocamos como co-responsáveis pela tragédia que estamos vivendo. Agimos como se fôssemos meros espectadores, quando não, as únicas vítimas. Em segundo lugar, convido a pensarmos sobre a quem delegamos a responsabilidade de ajudar a entender as origens de tanta violência e irresponsabilidade tão logo nos sentamos atrás do volante. Via de regra, delegamos essa tarefa aos policiais de trânsito, aos guardas de trânsito, enfim, às autoridades imbuídas de fiscalizar nossas ruas e rodovias. Não está errado que as mesmas fiscalizem nossas atitudes como motoristas. O que não está correto - nem com elas e nem conosco - é atribuir-lhes a responsabilidade de decifrar as origens de nosso comportamento. Afirmo isto por várias razões. Vou citar apenas duas. Primeira: esses policiais e agentes não têm as condições técnicas e a competência profissional para entender tão complexa teia de fatores sociais, psicológicos e culturais que acabam condicionando nossa ação cotidiana. Não recebem formação educacional suficiente para tanto. Sua formação é pensada para exercerem a fiscalização de nossa atuação como motorista e não a nossa educação como pessoas que, eventualmente, exercem a atividade de motoristas. A segunda razão é que ainda acreditamos que existem motoristas violentos ou irresponsáveis. Este grave equívoco ajuda a entender duas coisas básicas: o fracasso das medidas de fiscalização e de penalização dos motoristas infratores, bem como das campanhas publicitárias que visam diminuir os acidentes. Todas as campanhas se dirigem aos motoristas e não às pessoas. Quem é violento não é o motorista, mas, sim, aquele homem ou mulher que se constitui, desde a mais tenra idade, como um ser prepotente, dominador, arrogante, intolerante, competitivo, egoísta, que não aceita esperar nunca, etc. Ou aceitamos pensar numa educação para a paz e a cooperação entre as pessoas ou continuaremos fazendo as perguntas erradas para as pessoas erradas. Parece-me que é o que fizemos até o momento.

Autor: Valdo Barcerlos - Professor e Escritor - Universidade Federal de Santa Maria.
Fonte: Jornal Gazeta do Sul - RS - 02/06/2010.